Entrevista com Ricardo Mendes Mineiro
5o DG/noite-UEMG-2005

Ricardo (Cadinho) Mineiro é professor da UEMG e um dos pioneiros do Desenho Industrial em Minas, com significativa atuação no núcleo de Design do Centro Tecnológico de Minas Gerais (CETEC)
5°PVN – O que era o Design na época em que você estudava?
Cadinho – O campo era mesmo desenho de produtos, mas se confundia inteiramente com Comunicação Visual. Essa separação só tem razão de ser depois do advento da informática, na medida em que você não consegue dominar tudo ao mesmo tempo. Eu por exemplo dominava o CorelDraw e hoje nem mexo mais. Já até há outros programas lá na frente, mas se eu for perder tempo com isso, eu não projeto. E talvez em função disso possa se justificar.
O procedimento é o mesmo, vamos ver em projetos que tivemos no princípio:
Rádio, toca discos, televisão, fogão, ampliador fotográfico, carteira escolar, mobiliário urbano em todos os sentidos, de parques, playgrounds à coberturas de prédios, computador, logo que ele apareceu, e era aquela “coisa” industrial de lata, estandes de exposições, e outros. Apareceu até um revólver certa vez, mas não aceitamos. E muita comunicação visual, como Embalagens de bala, chaveiros, diagramações, cartazes e outros. Mas se você é capaz de projetar uma variedade de produtos, o que há de comum neles? E que me deixa projetar desde um um isqueiro, a uma roupa, uma cadeira ou uma luminária? É uma capacidade de raciocínio que vai coincidir... Pode até colocar uma casa aí no meio, que é a mesma coisa, pois a Arquitetura pra mim se parecia com um rádio. Você estuda o processo e muda as variáveis. Tenho que redesenhar este gravador aqui, basta desmontá-lo e vejo o que tem dentro. A fábrica me propõe uma redução de peças... Assim como aconteceu com uma televisão que fiz uma vez, que eu reduzi daqueles tamanhos enormes de antigamente (de uns 80cm de largura) pra algo parecido com que se vê hoje, próximo ao tamanho do vídeo. Isso porque eu conhecia os macetes, o que não podia dentro dela, apesar de não entender nada de eletricidade. Assim você fazia as reduções, entendendo o porque das peças, e a sua dimensão, você faz o layout. Isso não tem muita diferença em relação a uma casa, pois se você entende as variáveis de uma habitação, fica fácil.
Bom, para saber o que era design mais ou menos... a gente nem sabia que tinha essa palavra design, era desenho industrial e a outra era comunicação visual. Eles nem discerniam o comunicador visual do desenhista industrial. Pelo menos nos nosso escritório não. Nem os fotógrafos eram diferenciados. Eles podiam discernir pintor, escultor, mas nunca a gente supria essa análise. Era isso que era o desenho, ir na indústria e fazer os troço. Era fazer uma caixa, sabe como é? Quais ferramentas você tem? Então vamos fazer isso, isso e isso...
5°PVN– Qual foi a sua trajetória partindo do seu tempo de estudante?
Cadinho – Quando estudante, só havia um escritório de Design que trabalhava tanto com Design industrial como com comunicação visual. Na época a gente só trabalhava com fotografia, não se tinha tanta possibilidade de técnicas q se tem hoje. Fui chamado para trabalhar neste escritório, que era do Marcelo de Resende e Eurico Dirceu Weik, formados aqui na FUMA. O Marcelo dava aula aqui para o quarto ano, e me chamou pra dar também, para o terceiro ano. Depois a PUC me chamou para dar aula de comunicação visual. Dirceu (possivelmente o melhor fotógrafo do país na época) teve que sair da empresa por causa de problemas de saúde. Em um dos projetos seguintes, para a L’atelier, Marcelo teve que ir para São Paulo para dar continuidade. Durante esta época, eu chamei alguns alunos de arquitetura, e um artista plástico para tocar a empresa. Mais ou menos cinco anos depois, o Loura (Marcelo de Resende) volta de São Paulo para montarmos o laboratório do CETEC/MG. Depois disso vieram muitos pedidos de produtos através do estado. Nós costumávamos chamar os melhores alunos aqui da FUMA para trabalhar com a gente e lá era quase uma continuidade daqui. A gente foi ajudando a formar o pessoal. Nossos produtos eram baseados nos produtos europeus, nós éramos uns dos poucos que assinávamos revistas importadas da Alemanha, da Itália, da Áustria, Japão. Nós tínhamos um Design gráfico influenciado pelo japonês e o de produto muito puxado para o italiano. Não havia uma revista de Design brasileiro, tinha um catálogo da ABDI (Associação Brasileira dos Desenhistas Industriais) era um livro sofisticado, mas não se comparava ao prazer das revistas importadas.
Houve uma época em que surgiu um problema do que hoje chamam de desenvolvimento sustentável, mas na época era mais político, época de revolução, chamavam de eco-desenvolvimento, por volta de 75, 76. Quando fui fazer um levantamento pra este projeto a minha vida mudou. Parei de fazer as coisas bonitas da Itália, vi muita fome, muita pobreza mesmo, vi que o Brasil não era só esses lugares que nós vimos, Brasília, Rio, São Paulo. Fui pra roça mesmo, onde não tinha luz não tinha nada pra fazer desenho industrial. Onde não tinha nenhuma forma de indústria, daí eu descobri o Design, ele é possível e viável na roça sem industria, sem nada, ou seja, dar soluções de Design pra problemas regionais de carência. Isso foi através de um levantamento habitacional que me chamaram pra fazer, e acabei conhecendo todas as famílias, conhecendo todos os problemas, as condições de higiene, e habitação. A idéia do projeto era que a própria população solucionasse o problema dela com os materiais de lá, uma vez que não havia dinheiro. Usamos sempre materiais acessíveis a eles, fizemos encanamentos de bambu, e outras soluções alternativas. Mas armavam-se grupos de pessoas, e naquela época não podia-se formar grupos de pessoas, então começaram a me chamar de comunista, aí eu já era o responsável pelo trabalho em campo, que intelectualizava o problema. Graças a esses rótulos, pararam de aprovar meus projetos. Quando consegui levar o projeto direto para Brasília, veio a república nova, e meu projeto foi imediatamente aprovado. Neste intervalo eu fiz nove filmes, chamados Brasil Sociedade Anônima não no sentido de sem nome, mas no sentido de não conhecido. Com esta história do governo não aprovar meus projetos, eu viajava o país inteiro, não trabalhava, mas continuava ganhando meu salário. Fui aos lugares mais ermos e filmava. Filmava as tecnologias de pesca, quase um processo de busca de alternativa de vida, cheguei a morar com os índios na Amazônia. Filmamos o que foi possível, até que saiu a nova república. Meu projeto foi aprovado e fui para o Rio de Janeiro, na FINEP. Ai eu voltei para o campo de novo, deitamos e rolamos, fizemos escolas, colocamos encanamentos e vários outros projetos. Nisso eu praticamente parei de fazer produtos normais, fiquei desenhando produtos alternativos, por exemplo, formei associações, que eram quase impossíveis de se formar na época, para economizar material, dinheiro, nós chegamos a montar uma carroça, e com essa carroça com uma marcenaria em cima. E com essa carroça toda desenhada, a gente ligava luz comum da tomada e funcionava todo o instrumental e a gente ia fazendo as obras assim. E ai eu descobri que, levei oito anos pra descobrir isso, que o contrário da riqueza era a pobreza, que ali não tinha dinheiro, que nós tínhamos que fazer chegar dinheiro ali dentro, primeiro comecei a cortar quem estava explorando, a montar sistemas de produção, que serviam de aula para o pessoal, para montar o mobiliário de escola. Após uma troca de governos e um corte da nossa verba, fui dispensado de meus serviços.
Daí fui pra São Paulo fui fazer meu mestrado, aproveitei fiz um concurso pra USP e dei aula lá na FAU, que tinha uma área destinada a desenho industrial. Lá eles tinham um sistema interessante e até hoje têm, onde tínhamos 5 experiências: com Desenho Industrial, projeto de edificações, paisagismo, comunicação visual e o planejamento urbano. Chegando ao final dos quatro anos de curso, você escolhe aquilo que vai fazer. E quem dava aula lá eram exatamente quem eu lia nos livros.
Quando voltei pra cá já tinham se passados dez anos, eu já tinha defendido minha tese de mestrado, cheguei aqui e fiquei na UEMG, numa certa depressão.
5°PVN– Então não era tão diferente de hoje em dia?
Cadinho – Não é não... Hoje em dia as indústrias funcionam da mesma forma, são pequenas.
5°PVN– Só a maneira de projetar é que tem mudado um pouco?
Cadinho – (Pausa) Toda a racionalidade que você tem hoje, você já tinha. Você vai entrar numa indústria e ver um monte de máquinas. Você tem de saber o que essa máquina faz que matéria prima elas mexem, o que o cara tem, por que ele está te chamando, Por que ele não está te chamando atoa. Não é mesmo? Mas o processo era o mesmo. Tinha uns que dava mais tesão de fazer, tinha outros que dava menos, mas a gente fazia. O Marcelo dominava, ele era meu professor.
5°PVN– Uma diferença que eu imagino que possa ter é que durante um certo tempo não se tinha tanta concorrência como se tem hoje. Então de uma certa forma, o produto que você projetava ele ia para o mercado e como era uma necessidade de mercado ele ia vender. Hoje, com a concorrência maior, você tem dez indústrias produzindo a mesma coisa, você tem de ter um produto que atinja um determinado público, porque se não outro produto vai ser escolhido no lugar do seu. Uma vez que se você tivesse duas empresas de televisão, “qual você comprava, a de Beltrano ou a de Sicrano?”. Acaba que o seu produto era bem feito mas com uma certa liberdade. Por isso acho que todo o design podia ser mais abrangente.
Cadinho – Eu não acho que... Te enchendo o saco para ser sincero. Só esse escritório funcionando não significava que a gente tinha projeto o tempo todo não. Às vezes levamos muito ferro. Às vezes não tinha dinheiro para pagar telefone. Não se conhecia o que era, às vezes o pessoal confundia com aquele desenhista que tinha no jornal,
5°PVN– Cartunista?
Cadinho – Não, desenhista industrial técnico mesmo. Agora que palavra design está difundida, está melhor. Poucas pessoas conheciam... As agências de publicidade conheciam, me chamavam. Foi o que me segurou quando o Marcelo estava fora. Me chamavam para fazer as coisas físicas. Fotografia dava muito dinheiro também. Tinha pouco profissional, mas poucas pessoas sabiam que existiam esses profissionais. Agora, você tem fome de pegar segmentos do mercado e o design se tornou uma coisa muito importante; e muito falada, apesar de mal definido. Você vê o que é o design: È a capacidade de juntar variáveis raciocinar com elas independente de... Não acredito em designer de geladeira. Quem desenha geladeira desenha liqüidificador, desenha um isqueiro, ou então não é designer, é desenhista de geladeira. Sabe como? Isso deu até um pau comigo uma vez numa palestra.
È a capacidade que você tem de juntar as variáveis e falar: “É isso! É dentro desse limite”. O cara sabe traçar o mercado. O cara sabe para quem ele vende, sabe os concorrentes dele todos. Ela fala: “Pô, ele tá precisando de alguma coisa a mais que é o design” e é esse que está sendo o grande fator agora. E cada vez minha perspectiva é mais positiva em relação a isso. Porque a tecnologia quase que uniformiza os objetos, eles não estão se diferenciando muito não, eles estão pau a pau. A diferença é mínima, você tirar dois centímetros aqui ou ali. Então, o que é que vai conquistar? È o design. È a capacidade de investir no design. E o design está amarrado na mídia, no marketing, esse negócio todo. Esses isqueiro aqui é mil vezes mais mal desenhado do que aquele “Cricket”. Você tem um aí? Não (5°Pvnoite).
Cadinho – (continua) O “Cricket” é perfeito, tanto que ele vende mais. A marca Bic. Mas esse é mil vezes pior. O outro encaixa no maço de cigarro e não deixa ele amassar. Ele é do tamanho certo do cigarro. Ele é formalmente limpo. O que é isso? O design chega em sutilezas que queira ou não precisam ser gerenciadas. Cada segmento desse você vai achar as suas fronteiras os seus limites. Não acho que você tem de preocupar muito com isso não. Você só vai poder fazer aquilo. Você não vai virar para um cara e falar que vai mudar totalmente o produto dele. Poxa, eu vou fazer um molde que vai custar 300 mil reais. Eu não posso gastar isso num molde sendo que a máquina que eu comprei já vem com um molde de um design que acontece muito. É preferível você mexer em rótulo, ou então só em uma parte. O cara compra uma máquina hoje que é praticamente uma indústria. Aí você tem de ter a capacidade do design de mexer com a coisa. A capacidade do design é infinita. A gente não pode é fazer a mesma coisa, ter coragem e ser inseguro da nossa condição. Inseguro por quê? Por que você está fazendo uma coisa que você está fazendo uma coisa que você não absoluta certeza se ela vai funcionar. Essa insegurança é uma característica nossa. E subversivo! Subversivo por que não é normal. Não é aquilo que está sendo feito, é algo mais. É arriscar um pouco e viver com isso. Se eu não fosse designer eu já tinha parado de fumar ó... (Risos).
5°PVN – Hoje você trabalha dando aulas? Não ainda no escritório também?
Cadinho – Não, hoje eu não posso ficar sem projeto. Eu entro em crise de abstinência. Minha aula de projeto é a forma como eu aprendi a projetar. É como eu dou aula. Projetando muito. A única forma que eu aprendi e que eu ensinei e ensino a projetar. Não sigo muito o processo acadêmico não.
5°PVN – Qual é a sua formação?
Cadinho – Me formei em Arquitetura na UFMG e fiz mestrado na USP. No início a Arquitetura era muito chata, tinha um processo muito longo, era mal ensinada. Então entrei na comunicação visual timidamente, no escritório. Mexíamos com logomarcas, ramo no qual fomos premiados em concurso nacional com o símbolo da Samitre e nunca mais fizemos outros. O mesmo ocorreu com meus vídeos, após ser premiado no festival de Salvador em 1981 com Cinema e nunca mais fiz Cinema. Mas também ficou financeiramente inviável. Pois naquela época os gastos eram absurdos com película e outros, o que hoje não acontece.
5°PVN – Hoje temos poucas iniciativas de produção apesar das possibilidade serem muito maiores e mais acessíveis. Podem-se fazer filmes com gasto mínimo e ainda sim vemos pouca produção nesse sentido.
Cadinho – Isso acontece de fato, e tudo deve ser medido. A criatividade deve ser manejada com cuidado. Devemos ser “30%” criativos, caso contrário não seremos entendidos e reconhecidos só depois de morrer. (comenta sorrindo).
Não há diferença entre Comunicação Visual e o desenho de produtos. Pois a Comunicação Visual é uma estrutura, não a interna, mas é. E ela é o grande “x” da questão hoje. Pois educação à distância já temos. Veja a Rede Globo por exemplo. Eles fazem a educação não-formal, ditando valores e padrões estéticos a toda uma classe média, em todo o Brasil. Tanto faz estarmos em Belo Horizonte, no Acre ou em Búzios. Você pode até se imaginar, ao ver novela, em Búzios por exemplo (risadas). Mas na televisão entra mais a questão comercial. Na Internet temos algo nesse sentido. Temos um horror pra ser feito na Internet ainda: Quer coisa pior que a página de um provedor? Aquele mundo de informações pouco organizadas, que pulam à sua vista e você fica lá perdido. E ainda pula uma imagem duma mulher pelada na direita. Tudo confuso, tudo ainda no princípio, primitivo. Mas é o caminho da Comunicação Visual e da educação.
Pra terminar – agora quem vai falar sou eu (sorrindo) – há uma gramática visual que o homem não domina, ele não consegue ordenar “sujeito”, “verbo” e “objeto”. Ele consegue sistematizar mais ou menos, dando realce a alguma coisa, menos pra outra, mas não consegue a lógica. Isso é impressionante, porque um braço aqui é um braço no resto do mundo. É uma linguagem universal, que não sei porque não é tratada com o valor que merece, pois ela informa violentamente. Eles falsificam isso e passam imagem errada, estranha, pregando mulheres bonitas como aquelas magrelas horríveis, por exemplo. Impondo assim um padrão de beleza, através dessa “educação à distância”. Assim o computador tem uniformizado, plastificado as mulheres, as pessoas. O processo de criação, por mais que eles tentem inventar, ele é invisível, assim como o presente é invisível. Você pode estimular, pegar revistas, olhar, olhar, e não ler nenhuma palavra. Olhar as coisas em detalhe. A criação vem de uma confusão mental, em qualquer lugar, de qualquer forma, sem imposições de estar em cima de uma prancheta, por exemplo. Você quer criar e fica preocupado com o negócio e começa a olhar. É vendo. Não leia nada. É assim que nascem os projetos.
E sempre bom lembrar sobre o estreito limiar entre Comunicação Visual e Desenho de Produtos. A ambigüidade que existe nesse limiar, pode ser vista claramente nos produtos da “Swatch”, dos quais não definimos se o produto que eles vendem é fruto do Design de Produtos, ou Gráfico.
1 Comments:
É descendente da Terceira Ilhoa, Helena Maria de Jesus (Rezende), como consta na Genealogia Mineira Volume III (1939) de Arthur Rezende.
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