Tuesday, November 28, 2006

Entrevista com Radamés Teixeira da Silva

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por Andrezza Santos, Marcelo Reggiani e Sandra
Magalhães, 5º período de Design Gráfico da UEM


Radamés Teixeira da Silva, 81, ex-professor de Elementos de Paisagismo, Geometria Descritiva, Planejamento e Composições Exteriores, além de ter ocupado o cargo de vice-reitor da UMA (Universidade Mineira de Arte), tem trabalhos em urbanismo espalhados por toda Belo Horizonte. Trabalhou duro na consolidação da UMA, posteriormente FUMA (Fundação Universidade Mineira de Arte), cuja Escola de Artes Plásticas veio se tornar, por fim, a Escola de Design da UEMG.

O prof. Radamés conta aqui um pouco dos primeiros tempos do ensino de design em Minas Gerais.



Primeiramente gostaríamos que você nos falasse da sua formação.



Radamés - Há muitos anos eu estudei na Escola de Arquitetura da UFMG. Comecei em 45 e terminei em 49. Tem uns 60 anos, 50 e poucos.


Imaginamos que o senhor deva ter trabalhado muito mais com arquitetura do que com design, como foi isso?



Radamés - Eu trabalhei mais com urbanismo. Eu sempre mexi com o aspecto macro da arquitetura.



E qual foi a sua relação com a FUMA, atual Escola de Design da UEMG?



Radamés - Pode-se dizer que eu fui um dos fundadores de lá. Nos não estávamos satisfeitos com a importância que se dava ao design. Não era muito comum se preocupar com decoração, mobiliário, com objetos de maneira geral. Não havia uma preocupação. Então nós propusemos uma série de mudanças nestes aspectos. Da parte da arquitetura eu fui o principal iniciador. Os outros todos vieram por acréscimo. Ou ex-alunos, depois de um determinado tempo já tinham alguns formados, ou mesmo alguns alunos meus aqui da escola de arquitetura da UFMG que eu levei para lá. Quem formou o grupo todo praticamente fui eu, mas tinha também o professor Paulo Campos Cristo que era arquiteto e já era professor da escola quando eu era aluno. Nós dois juntos trabalhamos como arquitetos e começamos a levar para lá os arquitetos que tinham projeção na escola de arquitetura. E deram resultados extraordinários no início da vida da UMA (naquela época era chamada da Universidade Mineira de Arte), porque eram pessoas recém-formadas mas alunos de destaque. Nós fomos fazendo uma seleção e formando a equipe realmente de bons professores. Depois a maioria deles passou a ser professor também daqui da arquitetura. Isso foi, assim, uma síntese do que aconteceu na escola.

E a organização do currículo? Vocês tiveram referência da ESDI? Acredito que na época da formação da FUMA, só existia curso de design na ESDI.

Radamés - Eu não compreendo de onde arranjaram esta coisa de que só existia a ESDI. A ESDI surgiu muito depois. A ESDI apareceu muito depois até dos cursos que surgiram em São Paulo. No museu de arte moderna de São Paulo começaram a acontecer alguns cursos, mas para pessoas muito jovens, crianças, um público mais infantil. Nós aqui na escola seguimos a linha da Bauhaus. A Bauhaus tinha um pessoal onírico, muito doido. Eles tinham uma vida completamente isolada, era praticamente um internato. Bem, foi lá que nós realmente nos inspiramos. Nos EUA já havia alguns cursos que ensinavam design.O pessoal de Chicago, que foi onde realmente a coisa despontou. Nós também buscamos neles informações de algo que poderia constituir uma escola. Quem ficou encarregado da metodização final do currículo era um arquiteto, até alunos aqui da escola de arquitetura, um dos que levamos para lá.E realmente nós começamos assim. Foi um trabalho muito difícil porque nós tivemos um aluno durante dois ou três anos. Daí começaram a aparecer outros alunos e nós pudemos, então, desenvolver as atividades da escola. A UMA era uma universidade de artes mesmo, tinha música, teatro, tinha tudo. A escola de artes plásticas tinha quatro cursos, que eram decoração, praticamente o design e arquitetura micro por assim dizer, tinha licenciatura em desenho, que era a coisa mais importante que nós tínhamos. Não era o design. Já mais ou menos pensando que nós queríamos professores de desenho que descobrissem, mais ou menos, nas escolas secundárias, alunos que tivessem capacidade, aptidão e outras coisas bem acentuadas para se tornarem alunos da
UMA. Esse era o fundamento, nós nos preocupávamos mais com isso do que com o design. O design para nós era um objetivo fundamental, mas nós sabíamos que não tínhamos alunos. Eu tive pais de alunos que ficaram com raiva de mim porque eu aconselhei seus filhos a estudar design (risos). Naquela época, curso universitário era direito, engenharia, medicina, odontologia, essas coisas mais aceitas. Então era uma coisa muito séria. Mas nós fomos com muito cuidado, durante muitos anos e conseguimos um negócio semelhante ao da Bauhaus. Eu falo na maneira de se pensar, na maneira de se fazer. O aluno vivia ali na escola, como no caso da Bauhaus. Só que na Bauhaus eles moravam lá dentro. Era um espírito um pouco diferente das demais escolas. Então depois, muitos anos depois, surgiram cursos de design em São Paulo e depois a ESDI. Eu tinha documentação completa, inclusive com reclamações dos professores da escola de belas artes que alegavam que Belo Horizonte já tinham um curso de design. Mas eles não tinham essas coisas todas. Eu levei esta documentação toda ao diretório mas eles perderam aquilo tudo, jogaram fora, qualquer coisa assim. Era ainda a civilização que nós tínhamos. Para eles aqueles documentos não tinham valor. Era uma coleção que eu tive o cuidado de preparar e que se perdeu tudo. Não tem nada mais sobre a escola. É normal, era normal e seria admissível. Imprudente fui eu que supervalorizei a condição, a dedicação, a condição cultural dos alunos. Os
dois primeiros alunos não haviam terminado o 2° grau quando fizeram o vestibular. Porque naquela época se o curso não fosse ainda reconhecido e se o aluno cursasse a escola, no reconhecimento do curso automaticamente reconhecia o diploma dos alunos. Então nós pegávamos estes alunos. Nós não tínhamos alunos e o sonho de muitos alunos era fazer arquitetura logo quando saíssem da escola... Era um período muito difícil... Nós tínhamos também um quarto curso, o de publicidade, que era chamado de curso de reclame. Não existia televisão naquela época. Então quando íamos ao cinema, antes de passar o filme eles passavam alguns anúncios. A gente chamava isso de reclame. Inicialmente este era o curso menos seguido, embora tivesse uma dedicação muito grande. Deve estar lá ainda o Eurico, não está?


Sim, está.


Radamés - O Eurico foi a pessoa que manteve o curso, até dar para ele uma substância. Foi um trabalho muito difícil e principalmente porque nem a sociedade, nem o governo e nem o próprio aluno dava valor àquilo. O aluno que ia para lá era mais ou menos o aluno que tinha tomado bomba no vestibular de arquitetura... Custou muito a chegar ao nível que é hoje. Hoje não, hoje eu considero a escola como um verdadeiro milagre. Com todas as dificuldades, com todo desprezo que a sociedade e o governo tiveram por ela, ela está aí cheia de prêmios, até de natureza internacional. Foi bom, custou muito, custou muita dificuldade. Eu mesmo era a pessoa que aguentava o curso todo. Havia o reitor e eu era o vice-reitor. Muitas vezes eu tive que cercar alunos no portão porque eles estavam querendo ir embora. Tinham feito uma assembléia e achavam que o curso devia acabar. é uma coisa muito difícil de vocês, na situação atual, imaginarem o que foi aquela luta. Nós tínhamos tudo contra nós. A sociedade não permitia, os pais achavam que aquilo era uma perda de tempo. Até que estes primeiros alunos começaram a frequentar indústrias, fazer produções extraordinárias, contribuições extraordinárias. Apareceram alguns industriais que nos deram muita cobertura. Mas este foi um período em que já se tinha passado uns cinco, seis anos. Os primeiros cinco anos foram terríveis.


Já ouvimos que as primeiras turmas da FUMA iam para a escola sem saber direito o que fazer, tendo eles mesmos que pesquisar o que iam aprender. O que você tem a dizer sobre isso?


Radamés - Bom, o que iam aprender eles tinham. Programas, tinham matérias bem definidas, tinham um curso muito bem definido, com matérias e currículoperfeito. Isso tudo eles tinham. O que havia era isso mesmo. A cultura do aluno... Como eu já disse, o aluno que ia para lá, a maioria, era aluno que tinha ”tomado pau” no vestibular e, então, ouviu falar que lá se mexia com desenho, uma espécie de desenho próximo à indútria, que era uma arquitetura da indústria. Mas ele mesmo não via no jornal, não via no cinema (Não havia televisão). Não via nada sobre design. Aquele aluno que entrava lá realmente não tinha segurança. Mas a culpa não era do aluno, porque o aluno chegava lá e logo encontrava o que estava querendo fazer e isso é que era importante. Encontrava um ambiente de ensino que vocês nem podem, mesmo hoje, não
podem imaginar. Porque os professores eram, de certa maneira, iguais aos professores... iguais eu não digo em qualidade, mas em dedicação... todos eram iguais aos professores da Bauhaus. Todos viviam lá, atendiam os alunos de uma maneira pessoal. Viam problemas pessoais do aluno, problemas familiares, entravam nisso, explicavam para os pais. Davam festas, levavam,
faziam festas, os pais iam lá, a gente fazia conferências, mostrávamos figuras da Bauhaus, figuras de design, o que era, o que representava. Então era um trabalho que não se limitava ao aluno e nem devia se limitar. Porque se deixasse por conta do aluno era pouco. Não é como hoje. Hoje se tem por aí concursos. Nós conseguimos, a pouco tempo, que a Morro Velho começasse a fazer design de jóias. Quando digo conseguimos me refiro que o objetivo da
Morro Velho, que era achar um outro valor para o ouro que tinha perdido seu valor como base de moeda foi alcançado através da arte. Se bem que cada vez o ouro está menos valorizado. Praticamente não sem encontra, hoje, jóias de ouro puro. Ela tem complementos. Isso é muito comum por aí nos concursos. Havia um heroísmo daquele pessoal todo que estava envolvido nisso. Porque era coisa de heróis, ou de imprudentes, porque na realidade não era uma
promessa. Nós queríamos que a indústria nos aceitasse mas o industrial era um homem, a indústria naquele tempo não era uma coisa científica, era um sujeito aí que comeou a fabricar tacho, de tacho a fabricar bacia, de bacia a balde e outra coisa e foi subindo. Estou lembrando que a JMF que foi um dos grandes suportes que nós tivemos era de um ex-favelado que foi e criou um pessoal altamente qualificado e foi a pessoa que mais se aproximou de nós e que nós
devemos a ele o que ele subiu. A indústria dele adquiriu uma importância muito grande e o conceito da indústria dele nos arrastou para a federação das indústrias e outras coisas. Foi um trabalho que não se limitou a ação direta dele, ele conceituou o design. Vocês sabem que está sendo feito aí um livro que fala sobre design (obs: referência ao livro, ainda inédito, da jornalista Dorinha Aguiar, sobre a Escola de Design da UEMG), nele vocês vão ver algumas coisinhas de como foi este negócio. Um trabalho longo, de muita paciência. Nós fomos empurrados para todos os lugares. O espaço que eles achavam para a Universidade Mineira de Arte, ou, vamos dizer, para a Escola de Design, era o espaço que sobrava, assim como um favelado que vem do interior e chega aqui na cidade e encontra um espaço inundado, um espaço de risco e faz a casinha dele lá e vira um favelado com o espaço que sobrou para ele. Nós também seguimos u processo semelhante. A nossa escola era empurrada assim, se sobrava um terreno. Quando eu deixei a escola ela tinha sido transferida lá para o viaduto São Francisco. Naquela época eu disse, não, há um limite para o que se oferta à sociedade. Virei para todo mundo e disse: “Olha, vocês que são heróis continuem”. Eu abandonei.


Qual foi o ano em que o Senhor abandonou?


Radamés - Não me lembro.


Foi por volta de 70?


Radamés - Não tenho idéia. Francamente eu vou dizer a você, eu tenho 81 anos de idade não guardo mais isso. O processo é mais importante do que a data. Eu tomei a decisão de não fazer mais oferta à sociedade. Eu fui uma pessoa que viveu fazendo ofertas à sociedade para completar alguma coisa, uma pretensão que eu tinha de pensar que era ùtil à sociedade, que talvez ela precisasse de mim. E eu descobri que não precisava. Ela viveu tão bem aí. A própria
FUMA viveu tão bem quando eu saí dela. Já tinha o pessoal necessário, ela já tinha vida própria, não precisava mais de nós estarmos lá, e eu já estava muito envolvido com aquilo que era realmente a minha profissão: o urbanismo. Foi um período, deve ter sido de uns 20 anos, que era preciso colocar um limite nisso. Não havia consideração com aquilo, não havia meio de compreender. Se bem que nós havíamos conseguido de algumas áreas, algumas coisas. Nós
fizemos um trabalho quando criaram o CETEC que tínhamos uma equipe extraordinária, era um verdadeiro Bauhaus. Geniais os alunos. Mas aí o governo de Santa Catarina veio aqui e levou todos.


E o governo mineiro não fez objeção nenhuma?


Radamés - Objeção de que? Ele nem sabia. Isso não existe na consciência dele, na história de Minas. Quem vai pensar naquele negócio lá? Só as pessoas do governo, que estavam diretamente ligadas ao programa CETEC e algumas pessoas de nossa relação pessoal, que nesse caso foram Paulo Pinheiro Chagas, Lindolfo que foi uma pessoa que foi um suporte mesmo. Depois ele foi para o Jornal do Comércio, onde o José Costa foi o grande companheiro que nós tivemos e nos deu cobertura enorme. Isso vocês ter o que conversar com as pessoas que viveram o problema. O Eduardo, o Marcelo, alguns que estão lá. O Osvaldo, o Eurico, eles é que tem a história na cabeça. Eu me esforçava demais, então eu me envolvia demais com aluno, com problemas de aluno, com problemas pessoais de aluno, e quando eu me vi eu estava como centro indutor. Mas muito mais com ação política do que com uma ação administrativa. Eu conheço muito bem a minha ação. Era uma consequência tratada ao assunto, como foi uma consequência tratada ao assunto na época do Bauhaus. Chegou um ponto que o Hittler mandou chamar um grupo de pessoas do grupo dele, que era inimigo do comunismo e falou assim: “Fecha isso, que isso aí é comunista”. Não houve nenhum mérito em saber se era ou se não era, se o comunismo era bom ou não, não tinha nada disso. Fecha! Eles foram para o EUA. Lógico nos EUA eles não tiveram aquela assistência que a indústria alemã deu ao grupo. No entanto a idéia, a filosofia era muito européia. O americano é pragmático demais pra ter uma idéia como a do Bauhaus. E hoje não, praticamente os designers se libertaram daquilo, não necessitam daquilo, já são reconhecidos. Hoje nós vemos aí todos os dias festas com designers de tecido, de moda, mais isso, mais aquilo. Então agora o problema é de vocês. Não é nosso mais, nós cumprimos nossa função. E hoje olhando eu vou te dizer: Eu considero a FUMA um milagre! Eu milagre mesmo. Milagre é uma coisa que acontece porque alguma coisa de fora ajudou. Na maioria das vezes dizem que é Deus, ou um santo, não interessa. O que importa é que aquilo é
um milagre. Hoje a FUMA poderá ser comparada a uma corrida de bastão. Cada pessoa que pega o bastão, no caso da FUMA, por sorte quem pegava o bastão deixado pelo primeiro corredor, corria mais, era mais veloz, tinha mais força, mais capacidade. Então assim a FUMA virou um milagre. E um milagre por milagre. Não foi porque nós fomos tão bons assim não. Era um milagre. Era a hora certa de fazer qualquer coisa neste sentido. N‹o há mérito nenhum no nosso trabalho. Nós quisemos fazer aquilo e vimos, depois que começamos, que deveríamos dar continuidade e demos. Agora não, lá está uma maravilha. Está na mão de pessoas que tem uma capacidade para isso, que tem uma filosofia...

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